Percursos em psicoterapia
- Horácio Amici
- 14 de jun. de 2020
- 2 min de leitura
A que se destina o processo terapêutico?
Quais caminhos se abrem a partir do início de uma terapia?
Pensar sobre essas questões me leva diretamente a revisitar dois conceitos importantes que Freud teorizou: os conteúdos manifestos e os conteúdos latentes. A distinção entre aquilo que o sujeito é capaz de narrar sobre si (o que está mais na esfera daquilo que é consciente) e aquilo que está no sujeito, mas que, deliberadamente, ele não é capaz de acessar. O que Freud aponta é que trabalhar em terapia é trabalhar com esses conteúdos que pertencem mais ao campo inconsciente.
Levando isso em consideração, é importante parar para pensar sobre as demandas que são trazidas no começo da terapia. Geralmente, são trazidas questões que, ao longo do processo terapêutico, acabam revelando outras questões mais profundas ou mesmo que eram escondidas por aquilo que era o “motivo” de se estar em terapia inicialmente.
Pensar o processo terapêutico, a partir dessa perspectiva, é se permitir à abertura de novos sentidos que podem ir se desdobrando daquilo que inicialmente havia se mostrado. Muitas pessoas chegam em muito sofrimento, demandando justamente “resolver um problema” imediatamente. O que é interessante de se observar na prática clínica é que, em muitas situações, os ‘problemas’ em si não são necessariamente ‘resolvidos’, mas, ao mesmo tempo, podem ser olhados e elaborados pelo sujeito de forma que ele possa verdadeiramente ressignificá-los.
Terapia, muitas vezes, é espaço muito mais de reconciliação com nós mesmos e com nossos “problemas”, do que de efetivamente ‘acabar’ com eles: muitas vezes, resolver um problema é permitir que esse problema seja verdadeiramente olhado e acolhido como nosso - é dar voz para que nós mesmos e um outro (o terapeuta) possamos abrir espaço para que outras possibilidades surjam.
Terapia talvez seja muito mais um espaço de reconhecer nosso desejo, bancá-lo, ir em direção a ele quando possível, mas também de permitir-se aceitá-lo, muitas vezes, como não possível.
Terapia talvez seja esse espaço de construção de autonomia no qual, uma vez dada essa possibilidade de olhar verdadeiro sobre si, que mesmo que aquilo que desejamos não se concretize, que as possibilidades que se construíram a partir de um olhar sobre ele se mostrem ainda mais importantes.
Terapia é sobre encontrar caminhos que, na verdade, nem existiam ainda. Terapia é sobre tatear e encontrar trajetos novos que, a cada sessão, vão se construindo através da relação terapêutica.
Terapia é, em última instância, reconhecimento de si e acolhimento daquilo que somos. Terapia é possibilidade de se abrir portas para que a gente mesmo se acolha: reconciliação com uma verdade de si que nunca antes pode se mostrar.
Terapia é permissão.
Comments