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Quanto tempo tem a dor?

  • Foto do escritor: Horácio Amici
    Horácio Amici
  • 14 de mai. de 2020
  • 2 min de leitura

A Psicologia, enquanto campo do saber e de prática profissional, é muito ampla. Há diferentes tipos de abordagens, com pressupostos filosóficos e concepções diversas: Psicanálises, Terapias Comportamentais, as Abordagens Humanistas - e, dentro de cada uma delas, vários "subtipos", com também suas particulares e especificidades.


Frente à toda essa diversidade, é muito difícil tentar encontrar algo que una todas essas Psicologias. Através da forma de ver o mundo e de enxergar as pessoas, não parece ser possível encontrar um ponto em comum - isso, talvez, só aconteça se olharmos para o tipo de questão que chega até os profissionais de Psicologia.


A questão do sofrimento, direta ou indiretamente, talvez seja esse núcleo comum que una esse campo vasto de práticas e fazeres. Toda demanda que chega, seja no consultório, na escola, nos equipamentos de saúde, parece trazer consigo sempre um mesmo questionamento por de trás: como é possível lidar com a dor?


Pensando em tudo isso, encontrei, um dia, uma propaganda de um analgésico, com um slogan que chamou muito minha atenção, algo como: “Remédio X, para pessoas que não tem tempo para a dor.”


Aquilo parece que foi muito esclarecedor para mim: parece que eu entendi muito da forma como a gente lida com o mundo, como a gente se vê, como a gente enxerga a dor. As propagandas talvez digam as nossas verdades mais secretas  —  não necessariamente nossas ‘verdades’, mas algo terrivelmente nosso: nossos receios e desejos mais guardados, o não-dito que se diz a todo instante.


Pensado nessa frase do remédio X, várias perguntas não paravam de surgir para mim: Será que dá pra viver uma dor sem tempo? Será que dá para não dar espaço para a dor? Dor é uma coisa que passa ou que a gente atravessa?


E essas perguntas todas me fizeram imediatamente olhar mais uma vez para o que, cada vez mais, eu percebo que é o verdadeiro sentido dos encontros que a Psicologia Clínica propõe. Eu sinto, muitas vezes, que a terapia é um dispositivo que funciona quase como um anti-X (anti Remédio X): abre-se um espaço para tudo aquilo que nos veio e que, no momento, não deu tempo da gente se aproximar, tudo que, pelas mais diversas razões, a gente não teve possibilidade de chegar perto.


Possibilidade de chegar perto e de poder abraçar como nosso, como uma parte que é intimamente nossa, mas que parece quase alienada, roubada de nós mesmos. É de dor também que é feita a vida  —  e a dor e a vida, encaradas de perto e de frente, assustam menos do que encantam.


Que possamos nos apropriar também da nossa dor  —  porque só assim os caminhos se fazem, porque só assim os (novos) caminhos têm possibilidade de se fazerem.



 
 
 

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